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© Flickr/mattbuck007
Artigo
Publicado em 16/7/2013 por Cláudia Azevedo

Em termos científicos, a sexualidade em gays e lésbicas continua a ser um universo por explorar e onde muitas questões continuam por responder. Manuela Peixoto é psicóloga e investigadora do SexLab, da Universidade do Porto. Decidiu estudar precisamente nesta área. Quando procurou saber o que existia na literatura, percebeu que tinha enveredado por um caminho que poucos ousaram desbravar.

“Em Portugal, há poucos estudos sobre saúde sexual em gays e lésbicas. Desconheço qualquer estudo de prevalência das disfunções sexuais a nível nacional”, diz a especialista e bolseira de doutoramento em Psicologia na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), com bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), justificando a ausência de números cientificamente fiáveis.

Os trabalhos que existem, continua, estão “muito focados nos comportamentos sexuais de risco ou na procura de companheiros na internet”. Por isso, “o pouco que se sabe é através de terapeutas sexuais e sexólogos que têm experiência clínica com gays e lésbicas ao nível dos problemas sexuais”.

A nível internacional, acrescenta, “há alguns estudos (não muitos) e a sua maioria nos Estados Unidos da América”.

A razão para a escassez de estudos neste domínio é justificada essencialmente pelo facto de só em 1979 a Associação Americana de Psiquiatria (APA) ter retirado a homossexualidade do manual de diagnóstico de doenças mentais (DSM). Ou seja, até aqui, a homossexualidade era oficialmente vista como uma doença.

Só a partir dessa altura é que a homossexualidade começou a ser estudada não de uma perspetiva patológica, mas sim do funcionamento sexual dos homossexuais.

“Na sua maioria, porém, os estudos centram-se muito na prevenção e na saúde, sobretudo porque a prática de sexo anal é de grande risco na transmissão de infecções”, explica Manuela Peixoto. Algo a que obviamente não é alheia a dimensão da infeção VIH/SIDA, associada, até há bem pouco tempo, a uma sentença de morte.

Alguém estuda a sexualidade?

E o que está para lá da prevenção de infeções e dos comportamentos de risco em gays e lésbicas? Alguém estuda? Para já, muito poucos.

“De uma forma geral, os estudos sugerem que os gays apresentam queixas relacionadas com dificuldades de ereção e de ejaculação retardada. A dor sexual anal é uma queixa referida por homens gays, mas não por homens heterossexuais, em consequência do tipo de práticas sexuais adotadas”, refere a mesma especialista.

Com efeito, “o Professor B. R. Simon Rosser e a sua equipa, na Universidade do Minnesota, concluíram tratar-se de um problema sexual frequente e que, em alguns casos, o mal-estar associado à dor é tão intenso que leva ao evitamento da prática sexual.

No caso das lésbicas, “os estudos são ainda mais escassos e com resultados contraditórios. Há quase uma invisibilidade, sendo que o foco dos estudos está na intimidade, no desejo e na relação diádica. Pouco se conhece da frequência e do tipo de práticas sexuais e, consequentemente, das dificuldades sexuais”.

Ainda assim, “há estudos que sugerem que as lésbicas apresentam mais desejo sexual e maior satisfação sexual. Por outro lado, há autores que defendem o contrário. Mais recentemente surgem estudos que não indicam diferenças significativas”.

Por exemplo, em relação à sexualidade lésbica, “a Professora Margaret Nichols, Diretora do Institute for Personal Growth (New Jersey), que se dedica ao estudo das questões do desejo em lésbicas, chegou a resultados que sugerem níveis mais baixos de desejo sexual em lésbicas, que justifica com constrangimentos impostos à educação das mulheres para que não iniciem a atividade sexual. Outra hipótese levantada por esta autora é a possibilidade de haver uma fusão emocional nos casais entre lésbicas”.

O problema pode estar no próprio conceito de “atividade sexual”, que, tradicionalmente, incorpora a ideia de penetração vaginal.

Em resumo, “há uma escassez de estudos comparativamente aos estudos realizados com heterossexuais. Consequentemente, pouco se sabe, quer em termos das dificuldades sexuais, quer mesmo em relação aos comportamentos sexuais, à satisfação sexual e à relação diádica e sexual”.

Especialistas estudam preditores de funcionamento sexual

Para tentar solucionar muitas das dúvidas existentes, Manuela Peixoto e Pedro Nobre, responsável do SexLab, estão a realizar um estudo que tem por objetivo avaliar o funcionamento sexual em gays e lésbicas, de forma a promover o conhecimento das principais dificuldades experienciadas e o papel de fatores cognitivos, afetivos e relacionais ao nível da sua sexualidade.

Para tal, explica a psicóloga, serão avaliadas variáveis como traços de personalidade, ajustamento diádico, crenças sexuais, esquemas cognitivos ativados em contexto sexual, pensamentos automáticos e resposta afetiva durante a atividade sexual, e o próprio funcionamento sexual em gays e lésbicas.

“A amostra foi recolhida através de um inquérito online e, neste momento, temos uma amostra de 275 gays e 250 lésbicas. Em breve iremos dar inícios à análise dos dados, de forma a caracterizar a prevalência das disfunções sexuais em gays e lésbicas. Posteriormente, iremos estudar os principais preditores do funcionamento sexual em gays e lésbicas, ou seja, analisar o papel da personalidade, ajustamento diádico, crenças sexuais, esquemas cognitivos, pensamentos automáticos e resposta afectiva na vulnerabilidade e manutenção das disfunções sexuais. Por fim, serão feitas análises para testar as diferenças entre indivíduos com e sem disfunções sexuais, ao nível das variáveis acima referidas, de forma a caracterizar em termos cognitivos, afetivos e relacionais os grupos com e sem disfunção sexual”, esclarece Manuela Peixoto.

Desta forma, “pretende-se contribuir para o alargamento do estudo da sexualidade humana na comunidade gay e lésbica portuguesa”.

Foto: Flickr/mattbuck007

  

 

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