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 ©Fernando Correia
Artigo
Publicado em 16/5/2013 por Cláudia Azevedo

São muitas as histórias em mais de 25 anos de profissão. Fernando Correia, docente na Universidade de Aveiro, deu os primeiros passos na ilustração científica ainda como estudante de Biologia. Costuma dizer aos seus alunos do Curso de Formação em Ilustração Científica da Universidade de Aveiro que, para desenhar ciência, é preciso saber ciência. Já foi agraciado pelo N. Y. State Museum e pela National Geographic. A paleoarte é o tema do seu próximo livro.

 

Como surgiu o seu interesse pela ilustração científica?

O interesse pela ilustração científica precedeu a minha formação académica em Biologia e até condicionou em parte essa minha opção. Desde tenra idade sempre convivi com os dois mundos - por um lado, a natureza e, por outro lado, as artes, através do desenho de observação, essencialmente descritivo, e a pintura, esta última conduzida pela mão de meu pai.

O acesso ao ensino superior capacitou-me com uma percepção mais apurada destas realidades e permitiu-me perceber que podia articular quer a ciência, quer os fundamentos da técnica e expressão plástica, sem ter que prescindir de nenhum dos dois.

Foi nesse momento que percebi que existia esse universo da “Ilustração Científica” graças, em muito, ao incentivo e interesse de dois professores da Universidade de Coimbra, onde fiz o meu percurso académico. Já aí foi engraçada a dicotomia que se gerou, uma vez que a Prof. Isabel Abrantes, me puxou para o campo da Zoologia, e o Prof. Jorge Paiva tentou arrastar-me para o da ilustração botânica. A eles devo os meus primeiros trabalhos pagos, na década de 80 do século passado e ainda estudante de Biologia.

 

O que gosta mais de ilustrar?

Gosto de ilustrar seres e objetos naturais, ou manufaturados pelo homem que nunca tenha ilustrado. Cada novo projeto que aceite acaba por ser um desafio, a que me dedico de corpo e alma.

Apesar de já ter abordado e desenhado inúmeros tópicos de vários campos da ciência, a verdade é que é o desenho biológico que prevalece. E dentro deste, dou a minha preferência à ilustração zoológica, e dentro desta, à ilustração entomológica, ilustração ornitológica (aves) e mamológica (mamíferos).

Ultimamente um dos campos que mais prazer me dá é a ilustração paleontológica, onde posso usar de maiores latitudes de interpretação para figurar a biodiversidade extinta, isto é, a imagem resultante pode ter alguns graus de especulação, mas não é de todo criativa.

Esta capacidade e possibilidade de interpenetrar e mesclar ideias exploratórias é deveras cativante e muitas das ilustrações que tenho feito para revistas como a National Geographic ou parques temáticos, como Geoparques, centram-se neste domínio, também designado por paleoarte.

 

Quais os projetos que mais gostou de desenvolver e onde?

Todos os projetos que me obrigam a sair do meu estúdio e ir para o campo, tirar apontamentos gráficos, fazer fotografia e andar embrenhado no meio da natureza são incentivadores e dão-me mais prazer.

Lembro-me com enorme satisfação dos últimos trabalhos que fiz para alguns parques naturais dos Açores, pois fui convidado para ver as plantas endémicas que seria necessário representar in loco — e trabalhar ao ar livre é sem dúvida, excelente!

Mas pessoalmente o Santo Graal da gratificação está nos livros de minha autoria, que tenho conseguido editar numa cadência constante de 1 ou 2 obras em cada ano. Curiosamente, muitos desses livros começam à mesa de uma refeição, pois, além de gostar de desenhar, gosto de cozinhar e mais ainda de comer! Recordo-me de um livro que fiz sobre os atuns. Outro teve como protagonista a lampreia-marinha.

 

Todos devem falar “ciência

Como funciona o processo criativo? Tem de fazer muita pesquisa?

Criar uma ilustração é a súmula de, mais que um mero processo criativo, todo um aturado fluxo de trabalho que também passa pela investigação, estudo, ensaios e trabalho de equipa, até obtermos a imagem que seja eficaz e capaz de transmitir o conhecimento científico em causa.

O ilustrador científico deve ser visto como a outra metade do investigador científico, complementando-se um ao outro. Trata-se não só de fazer, como de comunicar ciência.

Um ilustrador científico, enquanto especialista na área da figuração, só consegue criar um documento gráfico útil se perceber a raiz do problema do que deve ser figurado. Como conseguir “encapsular” a informação científica na forma de uma imagem, codificando-a em traços e cores, se não percebe o que está a fazer? Este problema é tanto maior quando o ilustrador tem que sair da sua área de especialização.

Sobre ele recai também a responsabilidade de fazer passar o conhecimento científico para pessoas que não têm aquela formação académica, especialização ou habilitações. Passa-se de uma audiência restrita, com treino na leitura daquele tipo de imagens, isto é, fluentes na literacia visual científica, com os seus códigos muito próprios, para uma audiência generalizada, onde urge assegurar a capacidade de conseguir captar a atenção desse leitor não específico, pelo menos o tempo suficiente para a mensagem passar, propagando-a assim pelos vários estratos sociais e/ou escolares.

É esta a mensagem que passamos aos nossos alunos no Curso de Formação em Ilustração Científica da Universidade de Aveiro — para saber desenhar ciência, é preciso primeiro saber ciência. É preciso estudar e investigar, saber comunicar e trocar impressões com investigadores. Para isso acontecer, para que o trabalho seja mais produtivo, urge que todos falem a mesma “língua” — a ciência...

 

Qual a diferença entre ilustração científica e fotografia científica?

A IC é uma parte insubstituível do discurso científico e uma ferramenta pedagógica ímpar, criteriosamente necessária para construir e sedimentar o conhecimento científico.

Enquanto a fotografia é holística na sua forma, pois retém absolutamente tudo, mesmo o que é ruído visual, a IC é estrategicamente seletiva, isto é, um documento de síntese e reflexão, capaz de induzir de forma mais efetiva a percepção e assimilação dos conteúdos visuais e conhecimentos nela encerrados.

Assim, sendo uma vertente do universo da comunicação científica, a IC não só completa a comunicação, complementando-a, como por vezes, inclusive suplementa o discurso científico literário.

Além do seu caráter eminentemente comunicacional, a IC pode também servir para captar recursos económicos, além de captar recursos humanos. Se perguntar a muitos dos paleontólogos como despertaram para essa ciência, muitos deles dir-lhe-ão que foi por em criança se deliciarem com as ilustrações de dinossauros feitas pelos americanos Charles Knight, Zallinger, Mark Hallet, ou os europeus Bürian e John Sibbick, as quais lhes abriram as portas da imaginação.

 

Pensa que Portugal tem muito a evoluir nesta área?

Portugal é um dos países europeus com mais forte tradição na arte de representar a história natural, algo que já vem dos Descobrimentos, em que urgia figurar os novos achados ultramarinos para que a Coroa pudesse decidir que investimentos suportar ou que recursos explorar nesses novos mundos. A IC ainda era usada como ferramenta na credibilização e reafirmação da ocupação territorial (por ex. através dos mapas).

Portugal pouco tem a desejar ou temer do que se faz lá fora, principalmente nos EUA, onde mais se faz ou ensina. No entanto, graças à globalização, é preciso mostrar mais, melhor e mais depressa, isto é, ser competitivo. Penso que o caminho passa por uma formação de qualidade. É preciso que os alunos de IC estejam em contato direto com os cientistas, sejam por eles desafiados e acabem por ser integrados, ainda durante a formação, em projetos científicos.

 

Qual o mercado para a ilustração científica?

A resposta óbvia são os centros de investigação, universitários ou não. Mas também temos as escolas, instituições e empresas médicas, a indústria farmacêutica, os museus, centros de interpretação e centros de Ciência Viva, os parques e as associações de conservação ambiental/natureza, as editoras de livros ou revistas de divulgação científica ou outras, etc. Mais, com o advento da Internet e o progresso das telecomunicações, podemos estar em Portugal e trabalhar em projetos para países tão distantes como Austrália, ou Brasil.

 

Dos prémios que ganhou, destaca algum?

Felizmente já fui agraciado com várias distinções. Todos são, ou foram, importantes, pela altura em si, ou pelo que representaram. Mas a ter que destacar alguns, apontaria o Focus On Nature VIII Natural History Illustration Award (N. Y. State Museum) por ser ainda hoje o único prémio desta categoria atribuído a um português, e talvez o Grande Prémio Stuart de Imprensa Nacional El Corte Inglés (categoria Ilustração'2005), que pela primeira vez atribuiu um chorudo prémio monetário a uma ilustração científica que constava de uma das faces (cetáceos dos Açores) de um poster desdobrável publicado na revista National Geographic (ed. Portuguesa) - curiosamente, o primeiro e até à data único poster integralmente feito por 2 ilustradores científicos portugueses, publicado nesta conceituada revista, o que acabou por constituir uma dupla satisfação. O mais recente foi o Best Edit pela National Geographic Internacional, que distinguiu uma ilustração paleontológica de uma página (Lusonectes sauvagei, plesiossauro nova sp.), entre as 30 edições internacionais publicadas nesse mês de março de 2012.

 

O que vai fazer a seguir?

Entre vários projetos que tenho em mãos, estou a finalizar o meu próximo livro, a publicar muito em breve, e que incidirá sobre o domínio da Paleoarte, numa vertente de recolha e investigação, tendo como suporte imagens submetidas a um concurso internacional que criei e organizei em 2011. A primeira edição desta obra será internacional, pois será editada no Brasil.

 

Na imagem: Cagarro  (Calonectris diomedea borealis)

Imagem:  Fernando Correia

 

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