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Artigo
Publicado em 21/6/2016 por Filipe Santiago Lopes e João Pedro Sousa*

Modificações no estado de humor, com crises cíclicas, ora de euforia, ora de depressão. São características da doença bipolar, um problema em que aos sintomas se junta o estigma atribuído pela sociedade. Importa saber o porquê, o como e o que é possível fazer. Em busca destas respostas, o Ciência 2.0 entrevistou vários especialistas acerca desta perturbação que afeta cerca de 200 mil pessoas em Portugal.

Ju — nome fictício   descobriu aos 25 anos por que razão tinha oscilações tão acentuadas de humor. Tudo começou quatro anos antes, quando reagiu de forma pouco comum à morte do irmão: experienciou uma elevação de humor, correspondente ao período eufórico da perturbação bipolar, conhecido também por mania.

Porquê? Este e outros episódios podem dever-se a uma modificação a nível dos neurotransmissores, mensageiros químicos existentes no cérebro, responsáveis pelas emoções e sentimentos que experienciámos. A explicação vem de João Relvas, presidente da Associação Portuguesa de Psiquiatria Biológica, que fala de uma "desregulação dos mecanismos que controlam a neurotransmissão".

O especialista confirma que um acontecimento como a morte de um familiar, por exemplo, pode desencadear a doença. Para o psiquiatra, "as crises de vida (life events) e os fatores de stress podem atuar como precipitantes de perturbações afetivas em indivíduos predispostos".

Em períodos de euforia, passam a fazer parte da rotina "as saídas noturnas e os gastos exagerados de dinheiro", descreve Ju. "Nas fases iniciais da crise a pessoa pode sentir-se mais alegre, sociável, ativa, faladora, autoconfiante, inteligente e criativa", pode ler-se na página da Associação de Apoio aos doentes Depressivos e Bipolares (ADEB).

Seguiam-se fases de depressão. "É sempre assim, na bipolaridade. Quanto mais alto se sobe, mais baixo se desce", explica. [ouvir recursos]

Viver com a doença não é fácil. "Deixei de estudar, porque não estava com capacidade e o meu filho teve problemas por causa dos meus internamentos", conta Ju, que chegou a tentar o suicídio.

Silêncio, estigma e o papel dos órgãos de comunicação social

Após essa tentativa, decidiu procurar um psiquiatra e foi nesse momento que lhe disseram que tinha a doença bipolar. "É na fase depressiva que é feito o diagnóstico na maioria dos doentes", confirma Diana Aguiar, psicóloga na Delegação da Região Norte da ADEB. [ouvir recursos]

O receio de ser colocada de lado levou Ju a esconder a doença. É uma realidade que Lídia Águeda conhece bem em resultado do acompanhamento diário aos utentes da ADEB. "As doenças mentais são muito silenciosas. Não se veem. Não é como alguém que partiu uma perna", defende a psicóloga.

A especialista realça que é a falta de conhecimento sobre a doença a responsável pelo estigma que lhe está associado. "É preciso informar e não estigmatizar ainda mais", apela, reforçando que os órgãos de comunicação social têm um papel muito importante neste processo.

Segundo um estudo de Cláudia Azevedo, mestre em Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, não está a ser bem desempenhado. No trabalho intitulado "A doença mental nas notícias: informação ou estigmatização", a investigadora mostra que os jornais portugueses associam as perturbações mentais ao perigo e à violência. Para Cláudia Azevedo, os estereótipos reforçam ainda mais a estigmatização e conduzem ao silenciamento dos doentes.

O que é possível fazer? Apesar de não existir ainda uma cura, é possível controlar a frequência das crises e encurtar a sua duração, através de fármacos estabilizadores do humor.

"Já existem medicamentos para controlar e regular a ação da serotonina, dopamina e a noradrenalina, que são os neurotransmissores relacionados com esta patologia mais conhecidos e estudados", explica o psiquiatra João Relvas.

A serotonina é um neurotransmissor associado a emoções como a tristeza ou a felicidade, a dopamina está associada ao prazer e a noradrenalina, à adrenalina e energia. As crises de euforia ou de depressão podem estar ligadas a maiores ou menores concentrações e à ação destes mensageiros químicos no cérebro.

Os fármacos não são a única ajuda. Há também sessões de partilha de experiências entre pessoas com esta doença. A psicoterapia e educação familiar são importantes para ajudar quem tem esta perturbação a aceita-la e a lidar com ela. O apoio é importante para evitar que o maior risco associado à doença, segundo a ADEB, não chega sequer à tentativa – o suicídio.

* editado por Renata Silva. 

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Diana Aguiar

É na fase de depressão que muitas pessoas procuram a ADEB.

Ju

Elevações de humor que acontecem devido à bipolaridade.