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Artigo
Publicado em 8/10/2014 por Renata Silva

Óleos mais saudáveis, com vitaminas e sem gorduras saturadas e um queijo da Serra, por exemplo, com maior validade e com uma “casca” natural e comestível. São projetos de Miguel Cerqueira, do Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, que lhe valeram, recentemente, a atribuição do galardão “Outstanding Young Scientist” pela União Internacional de Ciência e Tecnologia dos Alimentos (IUFosT). O Ciência 2.0 entrevistou o investigador de 32 anos para conhecer em maior pormenor o seu trabalho. 

Foi distinguido durante o 17º IUFost – Congresso Mundial de Ciência e Tecnologia de Alimentos, no Canadá. Pode falar-nos um pouco sobre a investigação que apresentou?

O prémio atribuído deve-se à avaliação do meu currículo e do meu trabalho como investigador desde 2006. Apresentei ao congresso os resultados do último ano e meio de investigação, específicos de um projeto relacionado com óleo-géis, ou seja, ingredientes alimentares com base em gorduras mais saudáveis. O que tentamos fazer é substituir gorduras pouco saudáveis, saturadas e trans (hidrogenadas), de alimentos, por gorduras mais saudáveis. É um processo mais difícil uma vez que têm propriedades únicas às quais são atribuídas o sabor e a textura. O nosso objetivo é construir um novo ingrediente que tenha as mesmas propriedades organoléticas quando comparado ao alimento original.

É vantajoso para o consumidor a nível de saúde, pois conseguimos controlar o nível de gordura. Por outro lado, pode também originar produtos inovadores, com mais tempo de prateleira passíveis de ser depois transpostos para o mercado.

Gorduras mais saudáveis, mas mantendo o mesmo sabor. Esta é a grande dificuldade da investigação?

Sim, é complicado. Temos de manter as mesmas características, caso contrário os consumidores não se reveem naquele produto alimentar. Não é fácil encontrar compostos, que nós chamamos estruturais, para permitir uma textura e sabor próprias das outras gorduras. Usamos uma mistura destes compostos que podem ajudar na estruturação do óleo, fenómenos de cristalização que depois são avaliados através de propriedades de biologia, mecânica, de textura para ver se conseguimos obter propriedades semelhantes àquelas que existem. É um processo muito difícil e moroso que nos leva a perceber que podemos ter algumas aplicações em que vamos ter sucesso, mas outras onde o caminho é muito mais longo e complexo.

Pretendemos fazer estas transformações no futuro em algumas margarinas, produtos de panificação, gelados, entre outros.

"Esperamos, nos próximos dois ou três anos, ter uma aplicação muito concreta destes óleo-géis em alimentos"

E quais os compostos saudáveis a integrar nestes alimentos?

Tentamos utilizar óleos ditos saudáveis, como os provenientes do milho ou de oliva (azeite). Neste momento, em investigação, usamos óleos da indústria farmacêutica por serem considerados mais saudáveis.

Há também uma outra potencialidade neste tipo de estruturas, além da substituição de gorduras. Trata-se da incorporação de outros compostos bioativos e funcionais, como vitaminas e antioxidantes. Para isso, fazemos uso da nanotecnologia para encapsular estas substâncias, sendo que estas nanoestruturas funcionam como "veículos". Assim, aumentamos a biodisponibilidade destes alimentos [são mais facilmente absorvidos pelo nosso organismo] e o consumidor ganha maiores benefícios em termos de saúde. 

Em que fase se encontra a sua investigação?

A primeira fase, apresentada no congresso, passou por perceber se era possível desenvolver estas estruturas, fazer a sua caracterização, entre outros aspetos.

Nestes últimos meses, fizemos uma proposta, com um aluno daqui da universidade, a uma bolsa de doutoramento na Fundação de Ciência e Tecnologia nesta área para dedicar-se a esta investigação em particular. Esperamos, assim, nos próximos dois ou três anos, poder ver uma aplicação muito concreta destes óleo-géis em alimentos.

Temos ainda alguns projetos em parceria com a Universidade Estadual de Campinas no Brasil onde continuamos este trabalho conjunto, uma vez que eles têm algumas valências que nós não temos. Em curso está também um outro projeto que consiste na criação de embalagens comestíveis e biodegradáveis para substituição das sintéticas.

"A ideia principal da investigação será sempre desenvolver novas estruturas e substituir materiais sintéticos por materiais naturais"

Que tipo de embalagens e de alimentos estamos a falar?

No meu grupo no Centro de Engenharia Biológica estamos cada vez mais a trabalhar com alimentos muito concretos, e o mercado assim o exige, neste caso com alimentos tradicionais, num regresso às nossas origens: enchidos, queijos e mesmo as próprias frutas.

No que toca às embalagens não abordamos, para já, as de filme, mas sim as de revestimento, como as “cascas” que retiramos ao queijo e deitamos fora. O queijo da Serra é um bom exemplo onde aplicamos um revestimento. Ele é mergulhado numa solução aquosa que lhe vai permitir ter o tempo de prateleira aumentado sem que haja algum problema de contaminação, de fungos, etc. Podemos ter um tempo de prateleira de dois ou três meses, em vez de um mês.

Com estes produtos em concreto já temos alguns testes feitos na indústria e os resultados têm sido interessantes. Temos como meta a comercialização e a qualquer momento pode estar no mercado.

A ideia principal da nossa investigação, no global, será sempre desenvolver novas estruturas e substituir materiais sintéticos por materiais naturais, biodegradáveis e comestíveis, de forma a podermos aumentar o tempo de prateleira e de forma a termos alimentos mais seguros e saudáveis para o consumidor.

Pelo facto de existir esta substituição de produtos sintéticos por naturais, no final, o consumidor terá de pagar mais?

A ideia é não mudar os preços finais desses produtos. O que acontece é que os ingredientes que usamos nestes materiais são mais caros do que os sintéticos. É difícil não aumentar o preço. Vai ser um valor a pagar, mas isso já acontece hoje em dia, por exemplo, com os produtos de agricultura biológica.

Outra dificuldade, para além disso, na substituição das embalagens sintéticas por comestíveis, é o facto de ser também muito complicado manter as mesmas características do produto.

"Pode ser interessante, no futuro, levar estas tecnologias de alimentos com maior valor nutricional a países com carências a esse nível"

Quais são neste momento as suas preocupações e prioridades enquanto investigador?

Preocupa-me a parte da sustentabilidade e o que poderá vir a acontecer nos próximos anos. A população está a aumentar cada vez mais e estamos a ter problemas para tentar alimentar o mundo.

A nossa preocupação está virada para a parte da inovação, novos produtos e formas de conservar e aumentar o tempo dos alimentos. Pode ser interessante, no futuro, levar estas tecnologias relacionadas com alimentos de maior valor nutricional para países com carências a esse nível. O congresso onde estive serviu para percebermos isso: éramos oito nomeados, um de cada parte do mundo, e cada um tinha a sua preocupação a nível da ciência alimentar.

E quanto aos próximos passos da sua investigação? Tem outros trabalhos em mente?

Nos próximos anos os meus objetivos passam por dar continuidade a estas três linhas de investigação. Quero continuar a trabalhar nesta área das embalagens comestíveis, não tanto nesta questão de revestimentos, mas em criar embalagens amigas do ambiente e biodegradáveis, surgindo como alternativas às que derivam do petróleo. É um dos meus projetos a longo prazo. Pretendo também prosseguir com o uso da nanotecnologia como forma de potenciar as embalagens e a parte nutricional e avançar ainda nesta parte dos óleo-géis que são interessantes tanto a nível de ciência básica, como em questões de aplicação alimentar uma vez que vai ser um avanço muito interessante.

Enquanto investigador, qual a importância, na sua opinião, de comunicar a ciência alimentar e estas tecnologias?

No congresso, fizemos algumas reuniões com outros investigadores, jovens e séniores, nas quais tentamos perceber o que poderíamos mudar na ciência alimentar. A educação do consumidor é o mais importante, sobretudo para eliminar alguns mitos ligados à ciência alimentar e para que de alguma forma não fiquem assustados com a palavra tecnologia. Acreditamos ser pertinente educar logo desde muito cedo através das escolas, fazendo com que se ganhe alguma confiança em novos produtos alimentares.

 

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