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Publicado em 19/12/2014 por Isabel Pereira e Renata Silva

Os dedos das nossas mãos e pés não chegam para contar os profissionais de saúde portugueses que partiram e partem em missões de cooperação ou de emergência em vários países. São os casos de Vanda e Isabel.

Vanda chegou esta semana de Timor-Leste, onde esteve durante cinco meses. Deixou o emprego que tinha como enfermeira num hospital de referência para prestar de forma voluntária cuidados de saúde à população timorense.

O dia na Clínica do Bairro Pité, em Dili, começava às 8h da manhã com visitas da equipa médica e voluntários aos doentes. Vanda fez um pouco de tudo num país com escassos recursos: tratou de feridas, acompanhou recém-nascidos e deu formação a enfermeiros locais.

"Conseguimos que tivessem maior cuidado com a esterilização de materiais e também que assinassem folhas de medicação para sabermos quem a administrou ao doente". Um trabalho de "pequenas vitórias" é como Vanda apelida este tipo de experiências. "Os timorenses têm aversão a burocracias", justifica .

"Ensinei, por exemplo, os enfermeiros da clínica a fazer os cálculos necessários para definir doses de medicação", conta. Também monitores selecionados nas aldeias receberam formação para complementar o trabalho já feito pelo projeto "Saúde em Movimento". A iniciativa consiste em visitas mensais aos sítios mais remotos para fazer consultas e rastreios de tuberculose.

"Estes passos são importantes para que se possa dar continuidade ao trabalho que estive a fazer". Em missões de cooperação, como as que o Grupo de Ação Social do Porto realiza, "é essencial para a sustentabilidade dos projetos haver uma apropriação [do conhecimento] por parte da população", fundamenta Álvaro Campelo, docente de Antropologia da Saúde na Universidade Fernando Pessoa (UFP).

"Só boa vontade não chega"

Isabel Ferreira esteve num cenário completamente diferente. Em 2010 partiu em missão de emergência para o Haiti pelos Médicos do Mundo. Procurou saber mais sobre a cultura daquele país cuja realidade é completamente diferente da ocidental. "Nunca estamos, mesmo assim, totalmente preparados", descreve ao Ciência 2.0. No terreno valeram-lhe a resiliência e as estratégias para lidar com o stress. Estas características, dizem os especialistas, são essenciais quando se parte para um outro contexto com uma "carga emocional pesada".

Antes da partida, Joana Monteiro, psicóloga, sugere uma "avaliação psicológica do voluntário para ver se reúne condições para enfrentar este tipo de contextos". "Só boa vontade não chega", reforça. Não basta ter competências técnicas para abraçar um projeto desta natureza. São necessárias "uma humildade muito grande, capacidade de ouvir e perceber diferentes contextos e saber que se vai falhar várias vezes", enumera Álvaro Campelo.

Joana já deu várias formações sobre gestão de stress em ações humanitárias, e refere que, no regresso, "muitos profissionais de saúde sofrem mazelas psicológicas, nomeadamente o stress pós-traumático e o síndrome Burn-out, associado a situações de limite". Ansiedade, depressão e problemas de sono são sintomas de alerta. Para combater este problema, sugere um acompanhamento inicial, durante a missão e após a chegada ao país de origem.

Nestas intervenções o mais difícil é "evitar preconceitos" porque "cada cultura tem uma forma diferente de lidar com o sofrimento". Maria Palha, psicóloga clínica que esteve em várias missões, pelos Médicos Sem Fronteiras (MSF), conheceu contextos de guerra, como na Síria, onde assistiu várias pessoas com stress pós-traumático e esteve junto das populações brasileiras, logo após as cheias. "Não é comum os primeiros socorros psicológicos serem integrados nas missões humanitárias, mas a MSF acredita na sua importância", sublinha.

Ver o mundo com outras "lentes"

De acordo com a sua experiência diz ser "fundamental tirar os óculos de ocidental e olhar todos os contextos sem julgar". O termo certo é "tradução cultural", defende Paulo Seixas, docente que fundou um mestrado dedicado à ação humanitária na UFP. O conceito pressupõe "compreender diferentes culturas e uma negociação e adaptação contínua à diferença", explica.

Foi o que Isabel Ferreira teve de fazer ao deparar-se, no Haiti, "com o respeito na comunidade em relação aos anciãos, habituados a passar sempre à frente". Numa situação de emergência teve de convencer a população para que as crianças pudessem ser atendidas em primeiro lugar. Álvaro Campelo fundamenta que quando "os comportamentos culturais são altamente prejudiciais à saúde, é necessário intervir, encontrando um discurso percetível a estas pessoas".

Neste momento, um dos objetivos de Isabel é reunir numa base de dados todos os profissionais de saúde envolvidos neste tipo de missões, como Maria Palha e Vanda. A psicóloga sabe que, infelizmente, mais tarde ou mais cedo vai ter de voltar a prestar apoio em contexto de emergência humanitária. Já a enfermeira está a voltar à sua rotina, ainda com o pensamento no outro lado do mundo.

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Na foto: Vanda trata um bebé recém-nascido

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