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Artigo
Publicado em 5/2/2015 por Joana Gonçalves

José Carlos Silva, natural de Coimbra, é investigador do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) e trabalha na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, mais conhecida por CERN, na Suíça, há cerca de 20 anos. Em entrevista ao Ciência 2.0, o cientista fala sobre a sua carreira e os desafios que enfrenta.

Como surgiu o seu interesse pela investigação e pela ciência?

Surgiu quando tinha 11 anos. Cresci em Moçambique e já achava muita piada ao facto de conseguir fazer coisas com peças de plástico e de metal, tanto que com essa idade já sabia a lei de Ohm. Depois foi a curiosidade de ir mexendo e estragando (estraguei muita coisa!) para aprender. Estive sempre ligado à parte da eletrónica. Tive a sorte de ser o primeiro empregado do Centro Eletrónico de Coimbra e acabei a trabalhar para a Universidade, com o professor Xavier Viegas, na mecânica dos fluidos a fazer aparelhos para estações meteorológicas. E daí fui para a física de partículas.

Como é que chegou ao CERN?

O LIP, que nessa altura tinha acabado de ser formado, propôs-me vir ao CERN aprender eletrónica de detetores de câmaras de fios em 1987, no grupo do George Charpak, prémio Nobel da Física em 1992. A partir daí fui aprendendo com os sucessos e os insucessos e fui crescendo. Hoje sou responsável da aquisição [recolha de dados] de 80 mil canais no detetor CMS [ver glossário]. Desenhei a eletrónica para fazer essa aquisição. Sou também responsável por outro projeto em CMS de alinhamento da informação em 1200 placas. E esses resultados levam a que seja coordenador da eletrónica do detetor ECAL [ver glossário].

Como é o dia-a-dia no CERN?

Depende se há maquinaria ligada, ou seja, se há colisões, se há protões a circular na máquina. Temos que recolher dados sempre no máximo da capacidade. Quando há qualquer coisa a acontecer que tenha a ver com as minhas placas, tenho que reagir rápido. Ou então o dia-a-dia pode ser estar sentado a responder a emails, a desenhar e estudar novos projetos, em reuniões ou videoconferências.

"NO CERN só fica quem tem qualidade, quem não tem vai embora"

Como é que os cientistas portugueses são vistos no estrangeiro?

Estamos muito bem vistos, pela dinâmica que trazemos e pela qualidade do trabalho que produzimos. E isso é fácil de perceber porque nestas organizações internacionais não funciona o falhanço, não é aceitável falhar. Em plataformas tecnológicas de alta performance, como a ESA e o CERN, só fica quem tem qualidade, quem não tem vai embora.

Quais são os maiores desafios e dificuldades que um investigador enfrenta?

Arranjar soluções para os desafios futuros. Estou agora a desenhar eletrónica para ser usada daqui a anos. O CERN obriga a indústria a mexer, por isso o maior desafio que tenho sempre é conseguir desenhar a eletrónica que é precisa para detetores, seja na aplicação da física, seja para aplicação no campo da medicina. O objetivo é fazer coisas que não existem, que façam o trabalho que os cientistas querem, conseguir produzi-las, ter componentes e ter bons resultados.

Que características tem que ter um bom investigador?

Essencialmente é necessária uma boa perceção do ambiente laboral e uma grande capacidade de trabalho. Posso dizer que não faço ideia qual é o meu horário, porque são as horas que preciso para fazer as coisas, não há teorias de picar o ponto. E é preciso dedicação, competência e também um pouco de sorte. No CERN temos uma centena de países à volta da mesa, pessoas com diferentes perfis e personalidades, é fácil haver colisões, mas isso faz parte do dia-a-dia e é preciso aprender que nem sempre podemos estar satisfeitos e sorridentes.

"É gratificante fazer coisas únicas"

Sente-se realizado com o seu trabalho e com a carreira que tem neste momento?

Sim, senão já tinha mudado de emprego. Saí Portugal porque não me sentia bem, não me deixavam evoluir o suficiente em Coimbra. Se não me tivesse vindo embora era agora um eletricista de escadote, como costumo dizer, e andava em Coimbra a mudar lâmpadas. É gratificante fazer coisas únicas e com aplicações cujos resultados se veem. Estar neste momento a trabalhar, por exemplo, em projetos para novos detetores de cancro, seja da mama, seja da próstata, é uma realização.

Tenciona voltar a trabalhar em Portugal?

Vou a Portugal quase todos os meses. Mas profissionalmente, não me parece que volte a trabalhar em Portugal, até pelas responsabilidades que tenho. Se tiver que sair daqui que seja para um sítio quente, com muita água e barato!

Glossário:

CMS - Compact Muon Solenoid - um dos detetores de partículas construído no grande acelerador de partículas do CERN.

ECAL - Electromagnetic Calorimeter - O CMS tem um conjunto de camadas de detetores e o ECAL é uma delas.

 

Foto: ©José Carlos Silva

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