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 ©Christine Shepard
Artigo
Publicado em 17/9/2014 por Renata Silva

Não é todos os dias que ouvimos alguém falar sobre tubarões com tanto entusiasmo. A eles estão, injustamente, explica-nos, associadas ideias de que é um predador de humanos. Christine Shepard, que fotografa estes animais já lá vão 4 anos, esteve em Portugal a propósito do primeiro congresso internacional de comunicação na área das ciências marinhas onde falou sobre a importância da fotografia e multimédia na comunicação de Ciência. Aceitou dar entrevista ao Ciência 2.0 acerca da sua carreira e trabalho lado a lado com cientistas do programa de investigação com tubarões da Universidade de Miami. 

É apaixonada por tubarões. De onde vem e como começou a sua paixão por eles e pela fotografia?

Sempre adorei o oceano. Cresci na Califórnia e tenho uma ligação muito grande com o oceano desde muito nova. O meu amor estava dividido por todos os animais do oceano e também pela sensação de liberdade sentida quando mergulhava. Também sempre adorei arte e a fotografia é sem dúvida uma ferramenta maravilhosa e uma forma de ver o mundo. A meu ver é uma excelente forma de estar completamente presente num determinado momento, experienciando a vida de uma forma muito mais intensa e consciente.

Os tubarões são um daqueles animais que exige a nossa atenção. A sua presença é, no mínimo, inspiradora. Tudo começou no meu último ano na Universidade de Miami quando fiz a minha licenciatura. Estudava, em simultâneo, media digital e também ciência e política dos ecossistemas.

Estava a procurar uma forma de ganhar experiência no terreno através de um estágio, quando vi que um professor da escola de Ciências Marinhas que estudava tubarões tinha acabado de lançar um programa com uma forte componente de divulgação científica. Este passava por levar estudantes de ensino secundário em expedições no oceano. Fiquei a admirar a sua atitude e, por isso, abordei-o para saber se estaria interessado em ter uma estagiária na área dos "media". Ele mostrou-se recetivo a essa ideia e tornei-me, na verdade, voluntária no programa de investigação sobre tubarões nessa universidade por um ano, enquanto terminava os meus estudos. Trabalhar ao lado destes cientistas tão apaixonados pelos tubarões e tão conhecedores da sua realidade, teve um efeito profundo em mim. Aprendi imenso. Apercebi-me do quanto estes animais precisam de ajuda para ganhar uma melhor reputação, diferente da que é transmitida nos filmes de terror. Nasceu a oportunidade de me tornar uma espécie de "advogada de tubarões".

O diretor deste programa, o Dr. Neil Hammerschal, ofereceu-me um trabalho a tempo inteiro, que desempenhei por três anos. Em abril deste ano decidi ficar a meio tempo e iniciar-me como freelancer para poder trabalhar um pouco por todo o mundo.

E o seu primeiro encontro com um tubarão? Como foi? Pode descrevê-lo?

O primeiro ano em que trabalhei para o programa apenas fotografei a partir do barco. Não entrei na água, porque, muito embora os tubarões não mordam pessoas, continuam a ser animais grandes, animais selvagens com grandes dentes e é preciso respeitá-los e compreendê-los. Aprendi imenso só por observar e tirar fotografias a partir do barco e mesmo dessa perspetiva era muito excitante poder estar perto desses animais.

No dia em que pude entrar na água e estar com um tubarão foi incrível. Quando estamos dentro de água há certos detalhes em que reparamos, e que não repararíamos de outra forma, por exemplo, quão bonita fica a pele deles ao ser iluminada pelo sol, quão poderosos são os seus movimentos e como evoluíram de forma tão perfeita para se tornarem predadores no nosso oceano.

"A fotografia é uma ferramenta poderosa para começar uma conversa"

Decidiu fazer duas licenciaturas distintas ao mesmo tempo. Porquê?

Eu adoro ciência e a natureza e considero que a ciência é uma ótima forma de canalizar a curiosidade humana com o intuito de ajudar o mundo. Por outro lado, também adoro ser criativa e expressar-me através das artes visuais. Na escola, muitas vezes, dizem-nos que ou somos bons em matemática ou em ciências ou a escrever, mas eu gosto de ambos. Portanto fui corajosa o suficiente para querer os dois e não desistir. Procurei especificamente uma universidade que me permitisse fazer uma dupla licenciatura.

Os tubarões são frequentemente vistos como animais perigosos para os humanos... E há vários filmes que intensificam este conceito. Como é que a fotografia e a multimédia podem ajudar a eliminar a desinformação e os medos que existem à volta destes animais?

Acho que a fotografia é uma ferramenta poderosa para começar uma conversa. Não acho que consiga valer por si própria, mas em parceria com os cientistas e outras formas de divulgação pode ser educacional. Considero que um dos primeiros passos na comunicação de ciência é envolver as pessoas, captar a sua atenção. Há muitas mensagens e distrações e temos de perceber como podemos fazer com que uma pessoa pare e faça perguntas e esteja disposta a aprender. Acredito que a fotografia pode desencadear este processo e dar aos cientistas a hipótese de começar um diálogo, permitindo-lhes explicar que os tubarões não são assassinos. São predadores, sim, mas de peixe e não do ser humano.

Não sendo predadores de humanos... o que são e que papel têm verdadeiramente os tubarões?

Uma das principais ideias erradas sobre tubarões é o facto de se achar que eles querem comer pessoas, que nos querem morder, e não é esse o caso. Nós não somos a comida deles. De todo. Os humanos não estão em lado nenhum na cadeia alimentar dos tubarões. Eles têm vindo a evoluir por um período de 415 milhões de anos, quando os humanos nem sequer existiam. Têm vindo a evoluir para se tornarem predadores. Esse é o seu papel no ecossistema e no oceano. Limpam o oceano, alimentando-se dos peixes doentes e dos que estão a morrer. Eles mantêm a população de peixe nos oceanos saudável. Se os tubarões não existirem, este ecossistema fica desequilibrado. Estamos a tirar os tubarões do nosso ecossistema através da pesca excessiva. Há muitas pessoas que dizem que os tubarões têm muito mais medo de nós do que nós deles, ou pelo menos, deviam ter.

Mas existem ataques de tubarões...

Se considerarmos o número de pessoas neste planeta, mais de 7 mil milhões, cada ano há aproximadamente 60 ou 70 pessoas que são mordidas por estes animais. São números tão insignificantes. Se os tubarões quisessem morder pessoas, existiriam centenas e centenas de ataques todos os dias. Isso não acontece.

"Enquanto se aproximava, vindo do escuro, tudo o que eu sentia era puro entusiasmo"

Pode contar-nos uma história que considere a mais fascinante do seu trabalho?

Deixe-me pensar um pouco... Uma das minhas experiências favoritas aconteceu durante uma expedição sobre o tubarão-martelo nas Bahamas há cerca de um ano. A expedição foi liderada por um realizador de cinema subaquático chamado Joe Romeiro e por um amigo meu, Curt Slonim, e estava focada no ecoturismo no qual se pode nadar com os tubarões e fotografá-los. Estes animais têm a reputação de serem predadores ferozes, mas, na verdade, quando se entra na água, podemos ver que os tubarões-martelo são bastante tímidos. Foram necessários vários dias para ganhar a sua confiança e nos aproximarmos.

Ao terceiro ou quarto dia da nossa viagem fizemos um mergulho noturno e tínhamos vários tubarões à nossa volta. Quando anoiteceu ligámos as luzes e todos eles se assustaram e fugiram. Apenas um pareceu não ficar incomodado pela luz e ficou. Mergulhávamos sempre aos pares: um mergulhador e um membro da tripulação. Quando chegou a minha vez de descer, pude ver o tubarão a nadar à distância e junto à areia. Era uma noite de lua cheia e via-se um branco brilhante na parte debaixo do "martelo". Enquanto se aproximava, vindo do escuro, tudo o que eu sentia era puro entusiasmo. [ver foto principal do artigo]

Quando se aproximou eu tinha a minha câmara pronta para esperar até que ele chegasse perto o suficiente. No momento certo levantei a câmara com as luzes, carreguei no botão e consegui uma poderosa imagem de um tubarão-martelo, iluminado, a ocupar todo o enquadramento da foto, com a areia sobre ele como se fossem estrelas numa noite de céu estrelado. Foi uma das experiências mais espetaculares que alguma vez vivi.

Tem imenso contacto com jovens estudantes que participam nas expedições. Qual a imagem que eles têm dos tubarões e como é que reagem quando os veem?

No meu trabalho na Universidade de Miami tive a oportunidade de conhecer dezenas, senão centenas de alunos do ensino secundário. Muitos destes estudantes nunca tinham estado sequer num barco e entretanto viram-se num barco, no oceano, com investigadores, em contacto direto com os tubarões, a recolher dados, a fazer biópsias, entre outras tarefas. No início destas expedições estão assustados e tímidos, não querem participar, não sabem muito sobre eles e têm medo do desconhecido mas, à medida que iam aprendendendo, começavam a fazer mais e mais questões aos cientistas. Este diálogo foi uma experiência de aprendizagem. Às vezes, colocamos no barco um tubarão como o tubarão terranova (Rhizoprionodon terraenovae) que só tem 1 metro de comprimento e eles olham para ele e dizem "oh, até é giro". E de repente a perceção que têm muda. E se puxarmos um tubarão-tigre (Galeocerdo cuvier) de 3 metros, eles podem ficar a vê-lo nadar à superfície e tocar nele. E dizem "uau, que animal incrível". Eles têm esta oportunidade de estabelecer contacto com os animais e perceber a importância que têm no ecossistema.

Quais são as principais dificuldades do seu trabalho? 

Um dos maiores desafios envolve paciência. Tenho que ser paciente e compreender. É preciso perceber que não podemos controlar tudo. A natureza é a natureza. Às vezes as condições atmosféricas vão ser boas, outras vezes não. Às vezes os tubarões e outros animais vão estar e outras vezes não.

Como fotógrafos da natureza temos de apreciar o que conseguimos nesses dias e quando somos abençoados com a oportunidade de interagir de perto e pessoalmente com um animal selvagem temos de estar preparados. Temos que ter todo o material em perfeitas condições e tudo à mão para que quando aparecer a oportunidade seja possível saltar para a água em segundos para fotografar um tubarão, por exemplo. Podemos estar no terreno por 12 horas, mas a janela de oportunidade pode ser só 5 segundos. Não se pode desperdiçar esses momentos preciosos. Temos de aproveitar cada um deles.

"Deem-lhes outra oportunidade"

Qual é a espécie de tubarão de que mais gosta? Porquê?

A minha espécie de tubarão preferida é o grande tubarão-martelo (Sphyrna mokarran). Acho que eles são os "extraterrestres do nosso oceano". São tão bizarros em comparação com outros tubarões. São enormes e estranhos, com os seus olhos de lado. É um grande exemplo de como a evolução pode dar origem a criaturas tão bizarras e tão especiais. Uma das minhas adaptações preferidas destes animais é que eles podem usar efetivamente o seu "martelo" como uma ferramenta. Têm sensores eletromagnéticos chamados Ampullae of Lorenzini e eles usam-nos para sondar a areia à procura de peixes que possam estar escondidos ou até mesmo de raias.

Se tivesse que deixar uma mensagem para as pessoas sobre os tubarões o que diria?

Acho que por vezes as pessoas receiam o desconhecido. Receiam o que não conseguem ver e os tubarões são um perfeito exemplo disso. Vivem no oceano, onde muitas pessoas não vão com frequência, podem mergulhar em profundidade, mais do que nós podemos ir, vivem por vezes no escuro. Não sabemos, portanto, muito sobre eles e o que sabemos é informação errada, são notícias sensacionalistas de ataques de tubarões e este medo está mesmo a impedir-nos de aproveitar a grande oportunidade de apreciar um animal maravilhoso no nosso planeta, que serve um papel vital no nosso ecossistema e que aumenta a beleza do nosso oceano só pela sua presença. A minha mensagem seria: "deem-lhes outra oportunidade. Falem com cientistas. Vejam documentários mais realistas e científicos sobre tubarões e aprendam sobre o seu verdadeiro valor."

Como podem os cientistas comunicar melhor a ciência para o público?

Acho que os cientistas são pessoas maravilhosas. Estão sempre a aprender e têm tanto conhecimento. Apesar disso, na maior parte das vezes, não conseguem fazer passá-lo a para o público. Qual a razão por detrás disso? Acho que às vezes se desligam e desconectam das pessoas. Uma das ideias com que fiquei da minha experiência pessoal e das apresentações desta conferência é a necessidade de que o cientista comunique de forma mais pessoal com o público e que deixe passar as emoções. É preciso que eles contem histórias pessoais do trabalho no terreno, que falem do que mais gostam de fazer, do que os apaixona, e qual a importância da investigação. Partilhar a paixão e passar uma mensagem concisa. Se conseguirem isso, os cientistas vão fazer com que o público tenha mais vontade de aprender.

Quais são os planos para o futuro?

Quero, definitivamente, continuar a trabalhar com a comunidade científica. Uma das minhas grandes paixões é a fotografia e, como descrevi, a fotografia tem um grande valor na divulgação de ciência e eu adorava continuar a trabalhar com a Universidade de Miami e noutras instituições de todo o mundo e usar a minha paixão para os ajudar a chegar ao público de outras formas. Eu também tenho uma paixão pela fotografia enquanto forma de captar a beleza e exibo o meu trabalho em algumas galerias nos Estados Unidos. Espero continuar esse trabalho e expandi-lo. Temos de estar abertos ao que aparecer na nossa vida, estabelecer um plano, mas, se este mudar, ter uma mente aberta para o futuro.

Foto: Christine Shepard

 

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Christine Shepard

Foto: Christine Shepard

Tubarão-corre-costa

Foto: Christine Shepard

Grande tubarão-martelo nas Bahamas

Foto: Christine Shepard

Mergulhadores a observar um tubarão-enfermeiro

Foto: Christine Shepard

Estudante a segurar um grande tubarão-martelo