Content
  • PT
  • ENG
Artigo
Publicado em 16/1/2015 por Renata Silva

A cosmóloga portuguesa começou 2015 com o pé direito. A trabalhar no Real Observatório de Edimburgo recebeu, no início do ano, juntamente com o físico Lee Smolin, o prémio Buchalter de Cosmologia pela investigação que pretende desvendar por que é que o tempo só anda para a frente. Desafios como este e perceber afinal o que é a energia escura aliciam a investigadora que pretende, a par deste trabalho, planear uma escalada ao monte Evereste.

Disse numa entrevista que quer descobrir por que é que o tempo está sempre a avançar e nunca recua. Como é que a cosmologia pode responder a esta questão, que até pode ser colocada pelo cidadão comum?

Até uma criança se interroga sobre esta questão e é uma pergunta que eu gosto muito. Ficamos um pouco chocados quando percebemos que a nossa física (a tradicional) não tem uma resposta para essa questão que é tão simples. Toda esta pergunta tem muito a ver com nas teorias mais importantes da física fundamental. Na maioria das teorias todas as equações são simétricas em relação ao tempo. É com isso que não estamos satisfeitos. Se uma equação permite que o tempo tanto avance como recue, nós, os físicos tradicionais, temos que, para fazer aquela equação descrever o nosso mundo, escolher a solução à mão e artificialmente, de que o tempo avança. É por isso que nós queremos mudar esta parte da física.

O que fazemos são modelos com equações e simulações, nas quais estudamos elementos fundamentais do nosso mundo, partículas pequenas que resultam da divisão do espaço e do tempo em pedaços cada vez mais pequenos. Tem a ver com a gravidade quântica que trata de física muito fundamental, dos elementos mais fundamentais que constituem o nosso mundo. Podemos propor diversas leis. Temos que nos perguntar: o comportamento destes elementos é o mesmo quando o tempo avança ou quando o tempo recua? Se o comportamento for igual então nesse caso dizemos que nesse comportamento o tempo não interessa. Se as partículas se comportarem de uma maneira em que o tempo está sempre a avançar numa direção, então podemos explicar através destas leis que, neste regime da física, o tempo está sempre a avançar e o motivo pelo qual isso acontece.

Este foi o centro do vosso trabalho que levou ao prémio Buchalter de Cosmologia?

A maior parte das pessoas aceita que o tempo não importa ao nível fundamental. Ele pode avançar ou recuar e nós escolhemos à mão o que sabemos que é verdade, mas não temos explicação para o facto de existir só uma solução na natureza.

Construímos um modelo em que conseguimos explicar como é que o espaço-tempo que nós conhecemos pode emergir através destas partículas pequenas, destes instantes de tempo, que se formam e obedecem a leis assimétricas em relação ao tempo. Abordar a questão do tempo assimétrico na gravidade quântica é algo de muito inovador e foi por isso que conseguimos o prémio. O trabalho de explicar todo o modelo que nós propomos ainda vai demorar algumas décadas.

E quais os passos seguintes desta investigação? O que falta saber?

Precisamos de mostrar como é que as leis fundamentais da natureza em que o tempo está sempre a aumentar podem dar origem a outras leis. Como é que as leis da física fundamental que nos mostram que o tempo tem uma única direção, dão origem às da física tradicional, a física de Newton ou de Einstein. Por exemplo, quando Albert Einstein teve de formular uma teoria nova, já existia e havia dados sobre a teoria da gravidade de Newton. Ele teve de mostrar que a teoria que desenvolveu dava origem à de Newton, sob condições especiais, porque nós sabemos que a teoria de Newton aqui na Terra é válida.

Einstein não podia dizer que Newton estava errado. Teve de mostrar que, num dos limites da teoria da relatividade geral, chegava ao que Newton dizia. Partimos da hipótese de que o tempo está sempre a avançar, mas temos de mostrar quais as condições em que o nosso modelo dá origem ao modelo tradicional.

"Tivemos que ter muita coragem para publicar este trabalho porque as ideias são muito radicais"

E qual o significado que este prémio, que recebeu conjuntamente com o seu colega Lee Smolin, teve para si em termos profissionais e pessoais?

O prémio foi muito gratificante e vamos dar continuidade à investigação que desenvolvemos. Nós tivemos que ter muita coragem para publicar este trabalho porque as ideias são muito radicais e estávamos no fundo a arriscar a reputação ao propor ideias tão diferentes. Como acreditávamos muito no trabalho, publicámos o artigo num jornal científico e não estávamos à espera que nada de especial acontecesse. A importância deste prémio é que, em vez de sermos criticados ou prejudicados, fomos recompensados. Foi uma surpresa exatamente pela natureza da investigação. Lee Smolin trabalha nesta área há mais de 40 anos e para mim é um pensador muito original e interessa-se muito em descobrir o porquê das coisas.

O que a seduz nesta área científica em particular?

Eu gostava sempre de perceber de que é o que o universo é feito, por que é que existe um universo, como é que foi o universo nos primeiros segundos, por que é que existem estrelas, como é que se formaram... Na parte do espaço-tempo, da gravidade quântica, questionava-me sobre se podemos partir o tempo em unidades mais pequenas ou se haverá uma unidade mais pequena de tempo. O Einstein mostrou a equivalência entre espaço e tempo na relatividade geral e, na relatividade específica, ele dizia que são coordenadas pouco equivalentes. Nas coordenadas de espaço posso decidir se ando para a frente ou para trás, para a esquerda ou para a direita, subir ou descer, mas por que é que o mesmo não acontece com o tempo? São as perguntas mais inocentes e que, quando nós nos tornamos físicos profissionais, às vezes nos esquecemos de fazer. Como é que uma destas coordenadas não é navegável?

Foi um livro de Carl Sagan, "Contacto", que a apaixonou pela ciência. Podemos dizer que é o seu mentor nesta área?

Tinha 16 anos e na altura era bailarina. Tinha o livro em casa e li-o. De facto, Carl Sagan tinha uma maneira única de falar de ciência porque juntava a física, com a astrofísica, com a biologia, questionava muito o porquê, e mostrava quais as razões que nos levam a trabalhar nesta área. Para mim e para muitos dos meus colegas foi importante na nossa decisão de começar a trabalhar nas áreas da física e na astrofísica.

Ainda continua a dançar hoje em dia... O que a leva a seguir ainda estas duas vertentes e ainda o montanhismo?

Acredito que o ser humano não é só formado de uma componente, pelo menos noto muito que tenho em mim a parte artística, de expressão, mas ao mesmo tempo sinto que tenho necessidades intelectuais de entender o mundo que nos rodeia. Defendo uma visão do ser humano quase renascentista. Tento conjugar, não acredito que só podemos ter uma vertente: ser só cientista ou ser só artista. Acredito que podemos satisfazer a nossa curiosidade em mais do que uma área.

São mundos diferentes que às vezes se juntam uns com os outros. Por exemplo, no caso do montanhismo e da ciência: subi a uma montanha muito alta, no Tibete, que foi muito difícil e tive de tirar licença de dois meses sem vencimento para o poder fazer. Tenho a sorte de o poder fazer e conseguir conciliar.

"A minha ambição no montanhismo é angariar patrocinadores para planear a escalada ao monte Evereste"

Neste momento em que áreas está a trabalhar e que perguntas ainda lhe falta responder?

Para além da área do prémio, faço investigação numa área mais geral da cosmologia que tem a ver com os instantes iniciais do universo. O meu trabalho incide também sobre a teoria da inflação, que é um período de expansão muito acelerada que existiu quando o universo tinha muito menos de um segundo de existência. Trabalhamos muito nessa teoria e os dados que a confirmam ou refutam são os dados da radiação cósmica de fundo. A área da energia escura é outra que investigo e há muitas perguntas sobre aquele que é um dos enigmas mais misteriosos da cosmologia. As questões em falta são as mais gerais: o que constitui a energia escura? Para onde é que o universo, que se está a expandir de forma acelerada, se está a dirigir? Sabemos que a energia escura não emite luz e não interage por nenhuma das forças que nós conhecemos sem ser a gravidade. Estudar os dados observacionais dos satélites vai permitir-nos continuar a estudar qual o comportamento da energia escura no universo para perceber o que ali está.

Quais os seus projetos para o futuro a curto e a médio prazo? Tem novos trabalhos em vista para publicação?

Em relação à investigação da teoria da inflação dentro de uma semana devemos ter um artigo pronto para publicar que é sobre uma teoria que existe na radiação cósmica de fundo ligada à inflação e aos instantes iniciais do universo. Sobre a questão do tempo estamos a trabalhar num artigo que vai, no fundo, fazer uma ligação mais em concreto à teoria da relatividade geral de Einstein. Está relacionada com a adaptação desta teoria ao facto de o tempo estar sempre a avançar. Diria que mais um ou dois meses, e esse trabalho estará também pronto.

Ainda nesta área submeti recentemente uma proposta à Royal Society daqui de Inglaterra para um projeto de cinco anos para continuar a trabalhar exclusivamente nesta questão do tempo. No lado do montanhismo a minha ambição neste momento é angariar patrocinadores para poder começar a planear a escalada do Evereste.

Partilha


Comenta